segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O balanço

Quando eu era criança havia um balanço numa árvore em frente à minha casa. Quase todos os dias eu e meus primos nos estapeávamos pra ver quem ficava no balanço... E isso era muito divertido. Eu era o mais alto, às vezes ganhava, mas meu irmão era o mais esperto, às vezes me tapeava e ficava no balanço no meu lugar. Então nos estapeávamos de novo, até que um de nós subisse ao trono glorioso do balanço.

Mas o que havia de especial no balanço? Bem, éramos sete crianças que tínhamos uma obsessão por aquele balanço e para nós ele parecia especial. Eu, por exemplo, amava balançar mais e mais alto, fingia que conseguia alcançar as nuvens e trazia pedaços delas para meus primos, contando aquela velha história de que as nuvens eram algodão-doce, todos saboreávamos e nos empanturrávamos dessa deliciosa receita imaginária, até que alguém me puxasse pra baixo e outro subisse no balanço. Subia então uma de minhas primas, que se balançava e dizia que era uma fada, que ia voar bem alto e fazer encantos pra deixar todo mundo feliz. E todos nós ríamos, porque o feitiço havia funcionado ao menos com a gente, porque pra nós parecia tão simples ser feliz.

No final da tarde, quando a gente chegava da escola e corria pra chegar no balanço,  muitas vezes nos frustrávamos, pois era o horário em que geralmente a minha tia encontrava o namorado e o balanço era dos dois, ela sentava no colo dele e os dois balançavam devagarzinho, trocando beijos e carinhos, promessas e juras de amor, queriam casar logo, ter filhos e uma casinha, começando pequena e depois ampliando. Nós ficávamos olhando de longe e rindo daquilo tudo, pois beijos pareciam tão nojentos e romances pareciam tão engraçados.

Com o balanço ocupado, íamos tomar banho, depois voltávamos: o balanço estava vazio, então corríamos pra árvore. Quem não subia no balanço, subia pelos galhos (todos éramos craques nessa habilidade). No balanço éramos reis, rainhas, príncipes, princesas, super-heróis e monstros, piratas e desbravadores, e éramos tudo e, acima de tudo, éramos simplesmente felizes.

Ficávamos até altas horas da noite, de vez em quando passava um carro na rua, os vizinhos quando nos viam nos cumprimentavam, de alguns até zombávamos, de outros tínhamos medo, e nos escondíamos quando passavam, mas não lembro de nenhum deles nos fazendo nada de errado, nada de mal.

Mas muito tempo passou, não há mais árvore, não há mais balanço. Meus primos cresceram, alguns casaram, outros estão trabalhando, uns foram para outras cidades e eu fiquei por aqui, vendo o verde virando concreto e a liberdade virando violência numa cidade que foi crescendo e cortando seus balanços.

Tomo o mesmo café todo dia, vou ao mesmo prédio onde trabalho, não tenho balanço e nem árvore no meu escritório, só uma cadeira com rodinhas e uma mesa com papéis e mais papéis empilhados.

Vira e mexe eu olho pela janela e olho uma casinha que tem ao lado, mísera construção diante de tantos prédios. Tem uma bela árvore na frente dela, mas nenhum balanço: que desperdício! Olhando aquela casa eu fico lembrando da infância, de mim, de meus primos e de como a vida era simples...


“Quem me dera ter um balanço numa árvore”, penso eu em meio aos papéis do escritório e imerso nos problemas do trabalho e de casa, “o balanço tinha uma magia diferente que fazia a vida, que é assim tão complicada, ser tão mais simples”.
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No início dessa semana, quis com essa crônica relembrar a simplicidade que era nossa vida nos nossos dias de infância.
Ainda lembro com certa clareza (e um pouco de fantasia) o modo simples que a vida era nos nossos olhos infantis e sonhadores, não haviam problemas, não haviam metas ou objetivos, apenas sorrisos e as lágrimas eram de incompreensão ou de joelhos ralados, que também deixam suas cicatrizes. Crescemos, somos adultos e temos nossas responsabilidades, as cicatrizes de antes levavam um tempo até sararem, as de hoje também, embora pareçam incuráveis.
Talvez seja essa incrível arte de ver a vida com os olhos de uma criança um segredo para uma vida um pouco menos dolorosa: o balanço é metafórico, ele não tem poderes mágicos, a magia acontecia nos olhos e sorriso daquelas crianças que haviam compreendido que podem ser simplesmente felizes... Como relembrar essa habilidade de ser feliz?

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