Na esquina da Rua X com a Rua Y, logo ao lado da padaria do Seu Zé, há
uma pequena vila de apartamentos que pertence ao Seu Álvaro, um velhinho
rabugento que anda pra cima e pra baixo numa bicicleta velha que eu nunca
entendi porque nunca trocou por um carro se ele tem tantos apartamentos
alugados por aí.
Lá nos apartamentos do Seu Álvaro moram todo o tipo de pessoas que
desenvolvem uma relação engraçada: moram praticamente na mesma casa, divididas
em pequenas moradias apenas por paredes grudadas, mas separadas pelo hábito de
não se comunicar. Lá todo mundo só fala o básico com cada um e ainda assim dá
conta de dar conta da vida de todo mundo.
No 01 mora um rapaz solteiro, tem seus quarenta e tantos anos de
idade. Todo dia ele sai cedo, vestindo um uniforme amarrotado, geralmente com a
barba mal feita e uns óculos tortos. Ele trabalha numa loja de eletrodomésticos
no centro e nunca fica em casa, seu apartamento deve ser um lixo, pois as
janelas só são abertas uma vez por semana. Todos têm pena do pobre, pois deve
ser um homem muito sozinho, pois nunca recebe ninguém e nunca se ouviu falar
dele namorando, no entanto nenhum vizinho nunca o fez uma visita, nem nos
domingos, quando ele passa o dia inteiro dormindo.
No 02 mora um casal bem jovem, ela está grávida, mas tadinha: seu
corpo é tão pequeno e tão jovem que anda por aí arrastando aquela barriga que
só falta a dobrar ao meio. Todos dizem que os dois brigaram com os pais pra
morarem juntos, porque ninguém nunca viu os pais de nenhum dos dois vindo os
visitar. Todo dia os dois saem de moto pro trabalho ou pra faculdade, ninguém
sabe o que eles fazem, mas uma coisa eles sabem: essa criança não terá futuro,
pois com os pais provavelmente não terão como sustenta-la e, como os dois são
muito jovens, não saberão educa-la, pois uma criança não consegue criar outra.
No 03 mora uma senhora de cinquenta anos que nunca se casou e
provavelmente nem sabe o que é ter afeto por alguém que não seja um pequeno
cachorro que divide o apartamento com ela. As normas da casa não permitiam
animais ali, mas quando se mudou para lá, a senhora fez um escândalo, pois o
pequeno animal era a única família que tinha. Pobre mulher solitária – era o
que todos diziam. Seu Álvaro, comovido deixou que ela levasse o cão. E até que
o animal é comportado, silencioso, calmo e o mais importante: quieto; faz bem
menos algazarra que as crianças gêmeas do 05.
E no 04 mora ela: Beatriz, a mais bela e radical garota que há por
ali. Independente e sensual, sai de manhã vestindo roupas finas, carregando uma
maleta preta, um carro de vidros escuros todos os dias a espera, a leva e a
traz de volta no fim do dia. Há quem diga que ela é uma mulher de negócios, mas
a maioria a define como uma mulher da vida. Sobre ela as opiniões se dividem:
os homens estão interessados em suas pernas, as mulheres em suas roupas. Enfim,
de negócio ou da vida, Beatriz ainda é a mais bela.
E finalmente o 06, onde não há ninguém, pois se houvesse alguém, este
seria visto, este seria ouvido, no entanto de lá só se ouvem sussurros durante
a noite e solidão durante o dia, de um ninguém que nunca é visto e nunca recebe
visitas, um ninguém frio e misterioso que ali reside.
O engraçado deste prédio é que todos se veem todos os dias, todos se
encontram e dão “Bom dia”, desde as irmãs costureiras do 07 ao velhinho tarado
do 12, no entanto pouco se conversa, pouco se entende e muito se fala. Cada
apartamento parece saber tudo do outro, pensando que devido às paredes serem grudadas, grudariam também
as vidas.
No apartamento de Seu Álvaro todos dão conta da vida de todos, mas
ninguém conhece ao fundo cada um... Mas ninguém não era o morador do 06? Será
que ninguém nunca se importou de verdade com a história de cada um enquanto
todos julgavam e imaginavam cada um? O que aconteceria se o rapaz do 01 saísse
um dia com Beatriz do 04? E se as crianças do 05 passassem um dia brincando com
o cachorro e a dona no 03? Quantas histórias as irmãs do 07 não terão para
contar?
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Bom, sem pós escritos longos hoje... Quem é ou tem esse tipo de vizinhos sabe muito bem como é saber e querer cuidar da vida um do outro, não é verdade? Um verdadeiro show de "fraternidade", afinal a grama do vizinho é mais verde e os nossos palpites na vida dos outros sempre é mais útil do que nas nossas próprias...