terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Tempo de tirar as teias de aranha...

Quando você passa bastante tempo sem aparecer em sua casa as aranhas tomam conta, tecem teias, se reproduzem, a poeira sobe até níveis absurdos. A casa pode parecer inabitável...


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Mas ocorre que essa ainda é a nossa casa e ninguém abandona uma casa porque se encheu de poeira, mesmo que já a tenha fechado por mais de dois anos...

Acontece que eu gosto dessa casa, vivi lindas aventuras aqui, rabisquei as paredes e planteis várias margaridas no jardim...
Bem, é tempo de tirar as teias de aranha, trazer de novo cor e poesia a esta minha casa, a casa dos meus versos, meu microuniverso particular, tempo de reviver meu cantinho de lançar palavras às redes, atendendo assim aos pedidos de muitos sonhadores que clamavam pela volta deste microcosmo.
Assim, inspirado por uma chuva mansa caindo ali do lado de fora da janela, tiro as teias de aranha dessa casa, lavando-a com uma chuva mansa de poesia:


A CHUVA MANSA

A brisa leve leva embora
Leva embora o que nos pesa...
A chuva mansa vem e desmancha...
Castelo de areia frustrada e incerta..

A brisa leva e a chuva prega
A praga que cola e aguarda...
A chuva vem, aguardo na janela,
Aguarda a donzela e aguarda a flor...

A chuva cai com a brisa na relva,
Memórias caem e voam no chão...
Na varanda, poesia, flor e prosa
Cantam a imensidão de ser quem sou!

Pois bem, meu bem e vida,
Que a brisa leve leve embora
Tudo aquilo que nos pesa...

Sigamos, chuva, mansa e sem pressa...

--
Assim, sejamos leves, deixa, destemido leitor, que a brisa leve tudo o que te pesa...
(É bom estar de volta em casa)

sábado, 11 de outubro de 2014

Os apartamentos de Seu Álvaro

Na esquina da Rua X com a Rua Y, logo ao lado da padaria do Seu Zé, há uma pequena vila de apartamentos que pertence ao Seu Álvaro, um velhinho rabugento que anda pra cima e pra baixo numa bicicleta velha que eu nunca entendi porque nunca trocou por um carro se ele tem tantos apartamentos alugados por aí.

Lá nos apartamentos do Seu Álvaro moram todo o tipo de pessoas que desenvolvem uma relação engraçada: moram praticamente na mesma casa, divididas em pequenas moradias apenas por paredes grudadas, mas separadas pelo hábito de não se comunicar. Lá todo mundo só fala o básico com cada um e ainda assim dá conta de dar conta da vida de todo mundo.

No 01 mora um rapaz solteiro, tem seus quarenta e tantos anos de idade. Todo dia ele sai cedo, vestindo um uniforme amarrotado, geralmente com a barba mal feita e uns óculos tortos. Ele trabalha numa loja de eletrodomésticos no centro e nunca fica em casa, seu apartamento deve ser um lixo, pois as janelas só são abertas uma vez por semana. Todos têm pena do pobre, pois deve ser um homem muito sozinho, pois nunca recebe ninguém e nunca se ouviu falar dele namorando, no entanto nenhum vizinho nunca o fez uma visita, nem nos domingos, quando ele passa o dia inteiro dormindo.

No 02 mora um casal bem jovem, ela está grávida, mas tadinha: seu corpo é tão pequeno e tão jovem que anda por aí arrastando aquela barriga que só falta a dobrar ao meio. Todos dizem que os dois brigaram com os pais pra morarem juntos, porque ninguém nunca viu os pais de nenhum dos dois vindo os visitar. Todo dia os dois saem de moto pro trabalho ou pra faculdade, ninguém sabe o que eles fazem, mas uma coisa eles sabem: essa criança não terá futuro, pois com os pais provavelmente não terão como sustenta-la e, como os dois são muito jovens, não saberão educa-la, pois uma criança não consegue criar outra.

No 03 mora uma senhora de cinquenta anos que nunca se casou e provavelmente nem sabe o que é ter afeto por alguém que não seja um pequeno cachorro que divide o apartamento com ela. As normas da casa não permitiam animais ali, mas quando se mudou para lá, a senhora fez um escândalo, pois o pequeno animal era a única família que tinha. Pobre mulher solitária – era o que todos diziam. Seu Álvaro, comovido deixou que ela levasse o cão. E até que o animal é comportado, silencioso, calmo e o mais importante: quieto; faz bem menos algazarra que as crianças gêmeas do 05.

E no 04 mora ela: Beatriz, a mais bela e radical garota que há por ali. Independente e sensual, sai de manhã vestindo roupas finas, carregando uma maleta preta, um carro de vidros escuros todos os dias a espera, a leva e a traz de volta no fim do dia. Há quem diga que ela é uma mulher de negócios, mas a maioria a define como uma mulher da vida. Sobre ela as opiniões se dividem: os homens estão interessados em suas pernas, as mulheres em suas roupas. Enfim, de negócio ou da vida, Beatriz ainda é a mais bela.

E finalmente o 06, onde não há ninguém, pois se houvesse alguém, este seria visto, este seria ouvido, no entanto de lá só se ouvem sussurros durante a noite e solidão durante o dia, de um ninguém que nunca é visto e nunca recebe visitas, um ninguém frio e misterioso que ali reside.

O engraçado deste prédio é que todos se veem todos os dias, todos se encontram e dão “Bom dia”, desde as irmãs costureiras do 07 ao velhinho tarado do 12, no entanto pouco se conversa, pouco se entende e muito se fala. Cada apartamento parece saber tudo do outro, pensando que  devido às paredes serem grudadas, grudariam também as vidas.

No apartamento de Seu Álvaro todos dão conta da vida de todos, mas ninguém conhece ao fundo cada um... Mas ninguém não era o morador do 06? Será que ninguém nunca se importou de verdade com a história de cada um enquanto todos julgavam e imaginavam cada um? O que aconteceria se o rapaz do 01 saísse um dia com Beatriz do 04? E se as crianças do 05 passassem um dia brincando com o cachorro e a dona no 03? Quantas histórias as irmãs do 07 não terão para contar?

Mas não... Cada um vive sua vida até que se mude daquela espelunca. Pois tudo o que eles mais querem é se livrar do aluguel e ter sua casa própria, onde, livres das paredes grudadas, poderão viver sua vida, sem os vizinhos estranhos a quem são obrigados a desejarem “Bom dia”.

--
Bom, sem pós escritos longos hoje... Quem é ou tem esse tipo de vizinhos sabe muito bem como é saber e querer cuidar da vida um do outro, não é verdade? Um verdadeiro show de "fraternidade", afinal a grama do vizinho é mais verde e os nossos palpites na vida dos outros sempre é mais útil do que nas nossas próprias...

domingo, 5 de outubro de 2014

O formigueiro

Hoje nós brasileiros encararemos nosso maior aliado e ao mesmo tempo maior inimigo: as urnas. Hoje é o dia em que nós somos convidados (leia-se convocados, obrigados, etc.) a comparecermos às nossas Zonas Eleitorais para ali exercer nosso papel de cidadãos deste Estado democrático, apertando uma série de números que culminará na eleição de nossos futuros governadores, presidentes, deputados estaduais e federais e senadores.

Um dia importante por sua graça e periculosidade. Um voto errado faz toda a diferença, pois fazemos parte de um grande sistema que envolve do mais pobre ao mais rico, do favelado ao morador de um condomínio de luxo, enfim, de todos nós, brasileiros e brasileiras.

O que eu queria realmente para hoje é aquele nacionalismo que presenciamos na Copa do Mundo, creio que ele combinaria mais com o dia de hoje do que com a derrota catastrófica da seleção brasileira para a seleção alemã, até porque ainda busco algo de realmente importante no caráter prático social que a seleção tenha feito por nós. Queria que nessas eleições, julgássemos candidatos como julgamos técnicos e jogadores de futebol, que possamos analisar sua performance em outras partidas, suas condições físicas e psicológicas para desempenhar esse papel importante: defender a camisa verde e amarela dos Poderes Executivo e Legislativo.

Se você sabe que seu "jogador" já perdeu várias partidas, usa algum "medicamento" ilegal pra estar lá e não consegue se encaixar com o padrão de qualidade da seleção, então, não o coloque lá dentro. Não cometa o erro do Felipão, porque pior que perder para a Alemanha, será perder mais quatro anos da nossa política nacional.

O poema de hoje se chama "O formigueiro". Quem me acompanha no facebook já deve conhecê-lo, pois o divulguei a pouco tempo lá, no entanto eu creio que ele combina perfeitamente com o dia de hoje. Então, com vocês a minha descrição de uma sociedade muito organizada: a comunidade das formigas!

O Formigueiro

A criança criadora curiosa
Se levanta e assenta pra avaliar
A válida imagem
Da pequena sociedade singular.

Formigas formando seus pares,
Formigas que formam um lar,
Formigas de vários lugares
Formando em seu laborar.

Rodeiam o Formigueiro-Estado,
Rodeadas de pompa salutar,
As formigas-soldados armados,
Preparadas pra morrer ou matar.

Dormem sem glórias ou honras,
Sonham com formigas em suas camas...
Não sabem ao certo a que horas
Serão esmagados por honras e famas.

Exploradoras saem trilhando,
Se achando as formigas da história,
Expandindo seus territórios
Tecendo novas trilhas e glórias.

Desenvolvem métodos e teses,
Tecendo assim novas necessidades,
Tecnologias, técnicas e antíteses,
Tão necessárias quanto inúteis na verdade.

Formigas operárias saem de madrugada,
Carregando seus pesos pela sociedade,
Construindo túneis, móveis e montes de nada,
Nem se lembram se dormem cedo ou tarde.

Formigas buscando comidas,
Formigas parecendo escravas:
Trabalham pra salvar suas vidas
Ou pra engordar a rainha e suas larvas?

 Formigas de sábado à noite,
Açucaradas e embriagadas:
Esquecem operários e açoites
Esquecem-se se são rainhas ou soldados.

Uma ou outra cria coragem:
Agride o destino com força,
Para que as outras ao menos tentem...
Mas formiga boa é formiga burra...

Quão louca é esta formiga:
Formiga nasceu para a trilha!
Pra que arrumar uma briga
Se todos são da mesma família?

E assim prossegue o formigueiro-Estado.
A rainha o observa do alto,
Cansada desse seu árduo fardo
De engordar-se do sacrifício de tantos.

Formigas morrem dia-a-dia,
As outras quase nem percebem,
Pois enquanto uma morria
O sistema a repunha imediatamente.

Porque o formigueiro não para.
O formigueiro persiste.
E a criança criadora curiosa observa
Essa sociedade que insiste.

Curiosa observa, se impressiona,
Observando por um longo segundo...
E ali, observando atenta, exclama
Que as formigas já dominaram o mundo.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Ao centenário de Porto Velho: "Sobre os amantes ao Pôr do sol"

Porto Velho completa hoje o seu centenário. Cem anos de uma história que muitas vezes segue esquecida.

Centenário... Cem ter nada... Sem ter nada... Sem um povo que de fato a ame, a conheça e valorize aquilo de bom que ela tem a oferecer, sem políticos verdadeiramente comprometidos com ela e tantas outras coisas que me desagradam citar.
Mas hoje não é um dia pra pensamentos negativos, pelo contrário: é um dia de esperanças. São cem anos de histórias, seja ela boa ou ruim, cem anos de um município pelo qual sou completamente apaixonado.
Falo isso com sinceridade: já tive a oportunidade de viajar para muitos lugares e conhecer outras pessoas e ambientes, mas confesso que minhas raízes serão sempre mais fortes. Tomei água do Madeira desde o dia em que nasci, se a lenda for verdadeira, aí sim que nunca terei vontade de deixar completamente esta terra banhada pelo soberano rio.
E é por isso que hoje resolvi postar esta poesia, que eu escrevi nos tempos de escola em uma aula de história regional, confesso que que foi difícil encontra-la perdida entre várias lembranças que sinceramente nem me recordava da existência, mas a nossa "velhinha" merecia e eu gostei desse texto na época e espero que vocês também gostem.

Parabéns, Porto Velho! Para os próximos 100 anos te desejo mais pessoas verdadeiramente apaixonadas e comprometidas com essa terra, suas belezas, suas gentes e sua cultura (que existe e é a beleza da mistura de tantas outras)!


Sobre os amantes ao Pôr do Sol

Antigo e sinuoso ele estava
e enquanto ela nascia, observava.
Sereno, amante e silencioso, cobiçava.
E ela, ao crescer, se insinuava.

Ele, vomitando suas riquezas, a cortejava.
Ela, cobrindo-se desse ouro, se alegrava.
Vinham invejosos e saqueavam
e deste ouro presenteado quase nada deixaram.

Ela, crescendo, o abraçava.
Ele, encantado, admirava.
E, mesmo quando seus ouros não mais encantavam,
fez questão de carregar o luxo branco que dela levavam.

Ele, violento, as vidas dos outros amantes ceifava.
Ela, mãe que era, dos sobreviventes tratava.
E ainda nessas tormentas, riquezas ambos juntavam,
mas diziam serem loucos os que ao encontro deles migravam.

Ela, enfeitando-se de aço, novo amante aceitava.
Ele, silencioso, ainda ao seu redor caminhava.
E assim os tesouros que antes a ele confiavam,
ao novo amante, o fumegante, agora entregavam.

Ele, insistentemente a acariciava.
Ela, sorridente e mudada, com seu corpo o entrelaçava.
Os aços no corpo dela, agora se enferrujavam
e os amantes fumegantes, corroídos, no esquecimento se apagavam.

Ela, mais velha, porém jovem, ainda o abraçava.
Ele, em suas correntes, levemente a devorava.
Eles ainda vão juntos ao horizonte, onde os céus se alaranjavam,
abraçados num abraço eterno sob as luzes que desiluminavam.

Ele, o Madeira, correndo enquanto o sol poente o dourava.
Ela, a Porto Velho, sob as cores do sol que em seu corpo banhava.
Eles, amantes eternos, que a tantos sóis se banharam,

Esperam, no fim do dia, o amanhã secreto que até hoje aguardam.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Julgados

Dando corpo àquele velho ditado popular, "quem é vivo sempre aparece", aqui estou eu novamente lançando mais uma gama de palavras às redes através desse blog. Confesso que nas semanas passadas, algumas dificuldades e problemas pessoais me tiraram um pouco a vontade de escrever, mas eis que volto, depois das tempestades, para aproveitar A brisa leve e a maresia da minha mente para trazer uma poesia para aqueles que se aventuram a acompanhar as minhas "viagens mentais".

Recentemente percebi um aumento da discussão quanto à homofobia nas redes sociais, motivadas pelas polêmicas manifestações de determinado candidato à Presidência da República. Por esse motivo, escolhi marcar meu retorno com este texto que escrevi há algum tempo. O tema geral é a mudança dos tempos, as novidades que a pós-modernidade nos traz nas mais diversas esferas nas famílias, nas relações, nas instituições, na própria fé e outros (são tantas que talvez nem caberiam neste espaço).


Eu venho observando nas redes sociais (virtuais e reais) as mais diversas reações em relação a essas mudanças, da aceitação radical à negação radical, de forma branda e violenta, são diferentes formas de manifestar opiniões.

Considero exageros sempre maléficos, como ditava o filósofo grego Aristóteles, o excesso ou a deficiência geram vícios, não virtudes, creio que pode ser aplicada aqui: não quero me posicionar aqui como pró ou contra aborto, casamento homossexual, eutanásia, cultura de massa e tantas outras discussões que afloram com essas novas gerações. Pelo contrário: quero achar o balanço, a estabilidade, através da compreensão de que os tempos mudaram, os tempos avançam e não somos capazes de segurar este fluxo, resta-nos apenas refletir quais as maneiras menos danosas para viver estas mudanças.

Enfim, já enrolei demais e, se não me segurar, vou acabar esquecendo de colar aqui a poesia. Espero que gostem.

Julgados

Onde estão os versos sinceros?
Onde estão as cartas de amor?
Diga a eles que eu os espero
Num jardim escasso de flor.

Diga aos versos que as palavras mudaram,
Avisem ao poeta que o amor saiu de moda,
Peça que esqueçam o que compuseram,
Pois a vida girou qual velha roda.

Manda dizer que nasceu morango na jabuticabeira
E que as ondas do mar não mais chocam,
Avisa que esta não será a primeira,
Mas a última das damas que choram.

Pergunte à dama chorosa porque ela chora,
Se é pelo cravou ou pela rosa.
Se ela te responde, tens glória,
Mas o que dirás, então, à chorosa?

Dirás que rosa é rosa e cravo é cravo? 
Que morango não dá em jabuticabeira?
Acaso te esqueces que um dia foste escravo
Daquela velha e má conselheira?

Se está errado, diga em que
E me prove que estou enganado.
Tenho culpa do sofrimento que vês
Antes do trânsito em julgado?

Como condenar um condenado?
Avise ao poeta: as rimas mudaram.
Quem sabe um verso desencantado
Não cure a incerteza dos que a julgaram?

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Papo com uma estrela

Nosso planeta é apenas um grão de poeira lançado num mar infinito que nossa racionalidade chamou de universo, resultado de uma explosão que, segundo os físicos, aconteceu no "t=0", ou ainda, segundo os religiosos, aconteceu "No princípio", sem contar outras diversas variações dessa mesma história.
Mas pule por favor esta parte de discutir sobre o início, pois creio que ele permanecerá sempre obscuro, de certa forma, para nós que vivemos no presente, e pousemos nosso olhar neste grão de poeira do qual falamos agora: entre a infinidade de galáxias, uma - a Via Láctea; dentro dessa uma galáxia, um planeta - a Terra - misteriosamente bem posicionado o suficiente para gerar a vida; dentro desse planeta, sete bilhões de animais "mais desenvolvidos" - a raça humana - com o incrível dom chamado de razão; dentre estes sete bilhões de seres humanos, um homem - eu - sentado em frente a um computador, escrevendo um texto sobre a própria existência...
Quis fazer esta breve viagem do universo até mim para tentar instigar em você, corajoso leitor, a mesma inquietação que tive ao escrever a poesia de hoje: como podemos ser assim tão importantes em nossa individualidade se considerarmos nossa pequenez diante de tudo o que existe? Somos apenas poeira das estrelas, mas ainda assim somos importantes de alguma forma, caso contrário, nem sequer faria sentido a existência... Mas, então: Por que existimos? Qual o nosso papel no universo? Quem somos nós?
Não sei. Milhares de pensadores morreram tentando responder essas questões e nem todos conseguiram, e os que conseguiram não são aceitos como totalmente corretos... Por enquanto me contento apenas com esta frase: "Somos o que somos: poeira das estrelas, escolhidos pelo Sol para possuir quase tudo, ou seja: quase nada".

Papo com uma estrela

Boa noite, pequena estrela!
Quão engraçada tu és:
Brilhas sem que alguém te acenda
E, às vezes, ninguém te vê.

Ninguém te pede: “Vem”,
Ninguém te ordena: “Vai”
Brilhas às vezes a ninguém,
Mas insistes em teu “vem e vai”.

Brilhas guiando nos mares
Os navios sem seus sonares
E, dos poetas perdidos em ilusão,
Volta e meia tu és inspiração.

Daqui onde estou
Te meço com dois dedos;
Daí onde estás
Eu nem sequer existo.

Somos o que somos:
Poeira das estrelas,
Escolhidas pelo Sol pra possui quase tudo,
Ou seja, quase nada.

Somos o que somos:
Reflexos das estrelas...
Brilhamos, caímos e apagamos,
Perdidos nesse acende e apaga.

Somos o que somos:
Nós somos estrelas
Marrons, super-novas e anãs-vermelhas...
Somos e não somos estrelas.

domingo, 14 de setembro de 2014

Uma missa de domingo

O sino da catedral soou às seis da manhã chamando desesperadamente todos os fiéis para a missa. Pessoas engomadas e enfeitadas começaram a sair de suas casas, chegando de carro, estacionando na praça, puxando e empurrando seus filhos. Alguns já haviam chegado mais cedo, estavam ajoelhadas nos genuflexórios dos bancos, olhando para dentro de si, rezando pelos seus, pelo mundo ou por nada. As crianças sonolentas sentavam nos bancos, escoradas nos pais, sem entender metade do que estavam fazendo ali, torcendo pra que acabasse logo pra poder passar o resto do dia no computador ou no vídeo game, outras apreciavam a infinidades de pinturas que rodeava paredes, vitrais, abóbodas e até o próprio piso: que obra arquitetônica digna do rei que ali reside!

O sino toca pela última vez, anunciando a todos que a missa iria começar: cruz, velas, incenso, coroinhas, leitores, ministros e padre, mais ou menos nessa formação, caminharam solenemente até o altar iniciando a tão esperada celebração.

Estava mais ou menos na metade quando eu cheguei. Estava sujo e fedido, com minhas vestes rasgadas e os pés rachados de tanto caminhar sem rumo pelas ruas de tantos lugares que nem sequer lembro direito, o corpo cheio de feridas de quedas e de chutes que me davam enquanto eu dormia, quando me xingavam de vagabundo e mandavam trabalhar pra conseguir comida. Enfim, não estava tão bonito quanto todos que estavam ali dentro, e por este motivo me sentei na porta e respirei fundo, esperei a celebração acabar.

- Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe! – disse o padre, e o povo evaporou pelas portas, conversando alto ou ignorando uns aos outros, de um modo que eu não compreendi. Estendi a mão, não pedindo dinheiro, mas pedindo atenção (às vezes eu esqueço que sou invisível para muitos), se bem que dessa vez alguns me olharam e jogaram moedas na minha direção, recolhi, agradecendo com os olhos e eles foram embora.

Continuei sentado, respirei fundo novamente, ouvi passos – minha vista não estava tão boa naquele dia – olhei para dentro da igreja, o padre vinha conversando com duas senhoras. Falavam de coisas bonitas que iriam acontecer no final de semana seguinte: festa do padroeiro, entradas solenes e a presença do bispo. Eu sorri pra mim mesmo: com certeza estes me dariam atenção, ergui-me sobre os joelhos e estendi as mãos.

As senhoras deram dois passos para trás do padre, assustadas com minha audácia, enquanto eu de mãos estendidas, não conseguia falar nada. O padre, um senhor alto, usando roupas sociais de alguma marca que eu nunca havia vestido e com certeza não vestiria (é muito difícil achar esse tipo de coisa no lixo), sacou do bolso uma carteira e me deu uma nota: dez reais. E sorrindo despediu-se desejando que Deus me abençoasse a que respondi “Amém”.

Um senhor veio atrás fechando as portas e anunciando que eu não poderia ficar ali, que o horário tinha avançado, mas que podia vir no dia que distribuem o sopão. Olhei nos olhos dele, ele desviou, trancou as pesadas portas e seguiu seu rumo, me deixando ali, parado numa praça cheia de gente e vazia de sensibilidade.

Sentei-me no chão, no centro da praça e comecei a chorar chamando por minha mãe. Sim, sei que estou velho demais pra isso, mas quem não gosta de chamar a sua mãe num momento como estes?

E aí ela veio: vestida em trapos, com um lenço cobrindo a cabeça, me abraçou e me ergueu do chão, tirando a poeira da minha barba mal feita e com um sorriso, olhando nos meus olhos, disse:


- Meu filho, meu Jesus, não fique assim! Quem sabe na próxima eles te reconhecem?
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Alguém foi à missa ou ao culto ou a outro rito religioso esse final de semana? Se sim, deixo essa crônica, hoje mais voltada aos colegas que, assim como eu, são cristãos, mas que deve ser lida e interpretada por todos.
O que realmente move a "tal" da nossa fé? Em quem acreditamos e será que vivenciamos de verdade o que acreditamos?
Este homem, chamado Cristo, deixou apenas um mandamento na sua "Lei": amai-vos. Simples e singelo, porém desafiador.
Espero que tenham gostado dessa crônica, e mantenhamos os olhos abertos, para que em nossas orações e celebrações não deixemos de fora aquele que deveria ser o centro...