quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A Odisseia de Alberto

Quando o despertador toca no dia após o domingo, Alberto vira quantas vezes pode na cama, pedindo a Deus para que seja a continuidade de algum sonho, que na verdade ainda está começando a noite... Mas o despertador é insistente, sabe que há compromissos a serem cumpridos, afinal: é segunda-feira.

- Odeio segunda-feira. – diz Alberto a si mesmo.

Então acorda, desliga o desesperado despertador, levanta-se da cama, acaricia a dama que deitava ao seu lado, não são casados, mas era quase, poderiam casar-se um dia, mas por que arriscar um relacionamento que dava tão certo? Dá um beijo nela, e a deixa terminar de acordar, sai do quarto e toma um banho rápido, apenas para afugentar o sono e a ressaca que sobrara do dia anterior, ou do sábado, ou da sexta. O final de semana costuma passar tão rápido que nem se sabe mais a origem de cada ressaca.

Apressadamente vai até a cozinha e põe a água pra ferver pra passar o café, poderia comprar uma cafeteira para agilizar esse processo, mas o café no coador era muito mais agradável. Tira, então, um saco de pão de forma da geladeira e o coloca no micro-ondas para esquentar um pouco, poderia comprar pão quentinho na padaria da esquina, mas o pão comprado junto do rancho já era o suficiente.

Pão esquentado, café passado, Júlia, a dama que anteriormente dormia, senta-se à mesa com um vestido florido que combinava com seus cabelos castanhos escuro e cacheados, o corpo magro, porém dotado de um sensualidade única, e um sorriso meigo que encantava qualquer olhar. Ele a beija enquanto serve o pão e a manteiga na mesa, podia dizer algo romântico, mas não havia a menor necessidade e nem havia tempo pra isso.

O celular toca: o chefe logo cedo avisa que vai chegar tarde, que Alberto precisa ir logo abrir o setor, afinal, o atraso de um órgão público nunca cai na cabeça do servidor, mas do chefe, o que cai na cabeça do servidor são os gritos e injúrias do povo que encontra o atraso. Alberto podia ter dito que iria em seu horário normal, mas não precisava arrumar problema com o chefe, pois, talvez cumprindo além do seu dever, conseguisse uma gratificação, assumisse algum novo cargo ou fosse indicado a alguma chefia.

Engole, então, o café, enquanto Júlia o pede pra ir com calma, que o mundo não vai acabar se ele chegar um pouco mais tarde. Ele ri da tolice da namorada: “Tempo é dinheiro”, justifica a si mesmo e parte para o carro estacionado na garagem, um carrinho velho, que já tem há muito tempo, podia comprar um carro novo, mas não caberia no seu orçamento.

Sai acelerado, chega ao trabalho. Enfia-se em processos, conta piadas, levanta argumentos, discutem e fazem silêncio, cada um precisa de um momento de concentração e descontração, podiam trabalhar mais na amizade e coleguismo, mas cada um depende de seu cargo e precisam da produtividade, serviço público é nome muitas vezes, o que vale são os interesses e todos têm aquele mesmo interesse: o cargo comissionado.

Alberto senta, levanta, carimba, assina e digita, lembrando dos tempos áureos da faculdade, nos quais bebia e fazia farra, enquanto sonhava em ser juiz, depois promotor, por fim auditor, delegado, advogado e aí passou no concurso pra agente administrativo, podia ter tentado outras coisas, mas no fundo sempre odiou o curso de Direito.

Faltando meia hora para o fim do expediente, todos param, afinal, a hora da saída é hora muito aguardada, podiam todos antecipar o trabalho do dia seguinte, mas aí onde ficaria a ansiedade de ir pra casa? Guardada na gaveta?

Uma e meia mostra, então, o relógio da parede, que unifica todos os relógios. Todos levantam e na corrida desenfreada tentam chegar na folha de ponto que passa de mesa e mesa, ponta a ponta, os mais espertos já haviam assinado a saída.

Alberto volta pra casa, almoça as sobras geladas do almoço, com preguiça de esquentar a comida que Júlia deixara na geladeira. Tira depois a camisa e os sapatos e liga o ventilador com o pé. A mesa da cozinha vira, então, escritório, tira os pratos, deixa na pia, podia lavá-los, mas Júlia faria isso quando voltasse da lojinha onde trabalhava, passa um pano na mesa pra tirar as sobras que escaparam do prato e coloca sua pilha de apostilas e livros: é hora de estudar para o próximo concurso, a chance de sua vida! Dessa vez daria certo!

Alberto podia tentar outras coisas, queria ser escritor, mas isso não dá dinheiro, não dá sucesso, era o que ouvia desde a adolescência: “Faça Direito, meu filho”, seus pais e professores lhe disseram.

Após a tarde de estudos, Júlia chega em casa, os dois discutem, a discussão diária que faz parte da vida dos dois, depois fazem as pazes, podiam ir ao cinema, afinal é dia de promoção, mas não há tempo, não há ânimo. Deixam a TV ligada... Assistir que é bom não conseguem: a mente está desligada; vão para o quarto.

Júlia procura por Alberto na cama, mas ele está muito cansado, podiam se amar um pouco mais, mas amanhã será outro dia cheio, deixa isso pra sexta a noite, deixa isso pro sábado e mais uma no domingo, quem sabe?

Então dormem, apagam no quarto com a central de ar ligada. Alberto sonha com uma vida mais agitada, Júlia sonha com um marido mais presente em casa, uma marido com quem ela nem sequer era casada.

O despertador, então toca, Alberto vira quantas vezes pode na cama, pedindo a Deus para que seja a continuidade de algum sonho, que na verdade ainda está começando a noite... Mas o despertador é insistente, sabe que há compromissos a serem cumpridos, afinal: é terça-feira.

- Odeio terça-feira. – diz Alberto a si mesmo..
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Essa crônica dispensa meus comentários, quero apenas desejar uma ótima quarta-feira a todos os "Albertos" que a lerem.

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