sábado, 11 de outubro de 2014

Os apartamentos de Seu Álvaro

Na esquina da Rua X com a Rua Y, logo ao lado da padaria do Seu Zé, há uma pequena vila de apartamentos que pertence ao Seu Álvaro, um velhinho rabugento que anda pra cima e pra baixo numa bicicleta velha que eu nunca entendi porque nunca trocou por um carro se ele tem tantos apartamentos alugados por aí.

Lá nos apartamentos do Seu Álvaro moram todo o tipo de pessoas que desenvolvem uma relação engraçada: moram praticamente na mesma casa, divididas em pequenas moradias apenas por paredes grudadas, mas separadas pelo hábito de não se comunicar. Lá todo mundo só fala o básico com cada um e ainda assim dá conta de dar conta da vida de todo mundo.

No 01 mora um rapaz solteiro, tem seus quarenta e tantos anos de idade. Todo dia ele sai cedo, vestindo um uniforme amarrotado, geralmente com a barba mal feita e uns óculos tortos. Ele trabalha numa loja de eletrodomésticos no centro e nunca fica em casa, seu apartamento deve ser um lixo, pois as janelas só são abertas uma vez por semana. Todos têm pena do pobre, pois deve ser um homem muito sozinho, pois nunca recebe ninguém e nunca se ouviu falar dele namorando, no entanto nenhum vizinho nunca o fez uma visita, nem nos domingos, quando ele passa o dia inteiro dormindo.

No 02 mora um casal bem jovem, ela está grávida, mas tadinha: seu corpo é tão pequeno e tão jovem que anda por aí arrastando aquela barriga que só falta a dobrar ao meio. Todos dizem que os dois brigaram com os pais pra morarem juntos, porque ninguém nunca viu os pais de nenhum dos dois vindo os visitar. Todo dia os dois saem de moto pro trabalho ou pra faculdade, ninguém sabe o que eles fazem, mas uma coisa eles sabem: essa criança não terá futuro, pois com os pais provavelmente não terão como sustenta-la e, como os dois são muito jovens, não saberão educa-la, pois uma criança não consegue criar outra.

No 03 mora uma senhora de cinquenta anos que nunca se casou e provavelmente nem sabe o que é ter afeto por alguém que não seja um pequeno cachorro que divide o apartamento com ela. As normas da casa não permitiam animais ali, mas quando se mudou para lá, a senhora fez um escândalo, pois o pequeno animal era a única família que tinha. Pobre mulher solitária – era o que todos diziam. Seu Álvaro, comovido deixou que ela levasse o cão. E até que o animal é comportado, silencioso, calmo e o mais importante: quieto; faz bem menos algazarra que as crianças gêmeas do 05.

E no 04 mora ela: Beatriz, a mais bela e radical garota que há por ali. Independente e sensual, sai de manhã vestindo roupas finas, carregando uma maleta preta, um carro de vidros escuros todos os dias a espera, a leva e a traz de volta no fim do dia. Há quem diga que ela é uma mulher de negócios, mas a maioria a define como uma mulher da vida. Sobre ela as opiniões se dividem: os homens estão interessados em suas pernas, as mulheres em suas roupas. Enfim, de negócio ou da vida, Beatriz ainda é a mais bela.

E finalmente o 06, onde não há ninguém, pois se houvesse alguém, este seria visto, este seria ouvido, no entanto de lá só se ouvem sussurros durante a noite e solidão durante o dia, de um ninguém que nunca é visto e nunca recebe visitas, um ninguém frio e misterioso que ali reside.

O engraçado deste prédio é que todos se veem todos os dias, todos se encontram e dão “Bom dia”, desde as irmãs costureiras do 07 ao velhinho tarado do 12, no entanto pouco se conversa, pouco se entende e muito se fala. Cada apartamento parece saber tudo do outro, pensando que  devido às paredes serem grudadas, grudariam também as vidas.

No apartamento de Seu Álvaro todos dão conta da vida de todos, mas ninguém conhece ao fundo cada um... Mas ninguém não era o morador do 06? Será que ninguém nunca se importou de verdade com a história de cada um enquanto todos julgavam e imaginavam cada um? O que aconteceria se o rapaz do 01 saísse um dia com Beatriz do 04? E se as crianças do 05 passassem um dia brincando com o cachorro e a dona no 03? Quantas histórias as irmãs do 07 não terão para contar?

Mas não... Cada um vive sua vida até que se mude daquela espelunca. Pois tudo o que eles mais querem é se livrar do aluguel e ter sua casa própria, onde, livres das paredes grudadas, poderão viver sua vida, sem os vizinhos estranhos a quem são obrigados a desejarem “Bom dia”.

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Bom, sem pós escritos longos hoje... Quem é ou tem esse tipo de vizinhos sabe muito bem como é saber e querer cuidar da vida um do outro, não é verdade? Um verdadeiro show de "fraternidade", afinal a grama do vizinho é mais verde e os nossos palpites na vida dos outros sempre é mais útil do que nas nossas próprias...

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